Um filme disponível nas plataformas de streaming tem chamado a atenção não apenas pela atuação impecável de Tom Hanks, mas também pelo profundo questionamento que propõe sobre o comportamento humano contemporâneo. O Pior Vizinho do Mundo é mais do que uma comédia dramática; é um espelho das relações humanas e da forma como nos conectamos – ou deixamos de nos conectar – com a dor do outro.
Em uma das cenas mais impactantes, o personagem interpretado por Hanks presencia um desmaio em uma estação de metrô. A vítima cai nos trilhos, e um trem se aproxima. A reação esperada seria de socorro imediato, de empatia e urgência. No entanto, antes mesmo que alguém pense em agir, diversas pessoas ao redor sacam seus celulares e passam a filmar, como se estivessem em busca do melhor ângulo para registrar uma tragédia iminente.
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Cultura da gravação instantânea
A cena é desconfortável. Não apenas pelo risco evidente de morte, mas porque denuncia algo que já faz parte do nosso cotidiano: o impulso de sermos os “repórteres amadores” do sofrimento alheio. Vivemos um tempo em que o registro imediato, a imagem crua, vale mais do que a ação concreta. Em muitos casos, o celular tornou-se uma extensão do nosso olhar – ou uma barreira entre nós e o mundo real.
É inegável que essa cultura da gravação instantânea trouxe avanços significativos. Crimes foram denunciados, abusos expostos e momentos históricos foram compartilhados em tempo real. A tecnologia democratizou o acesso à informação e permitiu que vozes antes silenciadas fossem ouvidas. No entanto, há um custo.
E o diário completo?
O primeiro é ético: até que ponto estamos perdendo nossa capacidade de reagir como seres humanos, solidários e empáticos, em nome de um registro? O segundo é psicológico: essa avalanche de registros – geralmente recortes de felicidade alheia ou tragédias intensas – molda uma percepção distorcida da vida.
Ao vermos timelines recheadas de festas, viagens, corpos perfeitos e realizações constantes, podemos cair na armadilha de pensar que nossa própria vida é menos interessante, menos feliz, menos completa. Esquecemos que o que se compartilha é, quase sempre, o “álbum de festas”, não o diário completo. Ninguém publica a solidão de um domingo, o choro no banho, a conta que não fecha ou o medo do futuro.
Por isso, é fundamental recuperar o senso de proporção e realidade. Toda vida tem altos e baixos, alegrias e perdas, conquistas e frustrações. Nenhuma existência humana é feita apenas de celebrações.
O desafio dos nossos tempos não é apenas conviver com a tecnologia, mas saber usá-la com consciência. É filmar, sim, quando for necessário – mas agir quando for urgente. É registrar a beleza do mundo, sem perder a capacidade de estender a mão quando alguém cair nos trilhos.